quarta-feira, 15 de abril de 2015

Deficiência visual

Deficiência visual: o mundo pelo toque


Como todas as pessoas cegas, Thiago Ignatti Borges tem uma sensibilidade acima do normal para o tato, a audição e o olfato. Sua professora, da 2ª série da EE Doutor Edmundo de Carvalho, em São Paulo, ciente dessa capacidade, o conduz por caminhos que permitem que ele venha a conhecer o mundo pelo toque




A professora perguntou de que eu 

precisava para conhecer os novos 

colegas...e eu pedi para tocar o 

rosto e o cabelo deles. Agora, sei 

quem é cada um" Thiago Ignatti 

Borges, 11 anos. 


Maria Zenaide Novaes entrou na vida de Thiago, 11 anos, no início deste ano. Logo no primeiro dia de aula, ela quis saber de que ele precisava para conhecer os colegas de turma. Como todas as pessoas que têm deficiência visual, Thiago faz do tato um de seus principais aliados e perguntou se poderia tocar no rosto e nos cabelos das outras crianças. Todos aceitaram, e assim ele foi fazendo o reconhecimento de um por um. "Depois eu o incentivei a fazer o mesmo com cada canto da sala, os armários e os objetos", conta Zenaide.Nas conversas, ele passou a reconhecer também as vozes dos amigos.

Thiago tem baixa visão, identifica só cores fortes.Nasceu prematuro, de cinco meses, e o tempo passado na incubadora provocou o descolamento da retina. Quando tinha 1 ano, sua mãe, a professora Thaís Helena de Oliveira Ignatti Borges, procurou a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual (Laramara). Foi lá que ele conquistou autonomia em tarefas como trocar de roupa e iniciou-se no braile, que depois aperfeçoou com uma professora particular.Mas desde cedo Thaís se preocupou em colocá-lo numa escola regular.Optou por uma particular, que Thiago frequentou dos 4 aos 9 anos.
Foi crescendo o descontentamento da mãe com o atendimento que ele tinha nessa escola e o modo como todos tratavam a deficiência visual de seu filho. A gota d’água aconteceu em 2005, quando ele iniciou a 1a série."Thiago não sabia colocar o papel na máquina de escrever em braile e a professora não o ajudava", conta Thaís. "Por isso ele ficava sem fazer nada a aula inteira. Nas atividades de pintura, ela distribuía tinta para todos os alunos, menos para ele. Meu filho nem tinha mais vontade de ir à escola." No meio do ano, ela resolveu transferi-lo para a EE Doutor Edmundo de Carvalho, depois de descobrir que havia sala de recursos para alunos com deficiência visual."Agora ele se sente estimulado e deslanchou, principalmente na socialização", diz.

A dedicação de Zenaide teve papel fundamental nesse progresso. Ela começou a dar aulas para Thiago cmo substituta. Quando a titular retornou da licença, ela assumiu outra classe de 2a série, só que no período da tarde.Mas sempre dava uma passadinha na sala de Thiago para ver como ele estava se saindo. O garoto não se deu bem com a outra professora, então, por recomendação de Tânia Regina Resende, titular da sala de apoio da escola, a direção resolveu transferi-lo de turno, para que o trabalho de Zenaide tivesse continuidade. "Ela me perguntou se eu queria, e eu quis. Gosto muito do jeito como ela dá aula", conta Thiago.

No atendimento ao menino, a professora conta com o apoio de Tânia, que faz as transcrições para o braile do material didático e converte para a escrita regular as provas e exercícios, para que a professora regente corrija.Fora do período letivo, o garoto tem aulas na sala de apoio, uma vez por semana."Reforço os conceitos que ele não aprendeu direito e dou exercícios com o uso de materiais específicos como os que ajudam a realização de operações matemáticas", explica Tânia.

Em sala, Zenaide procura envolver Thiago em todas as atividades.No final da aula, ela senta ao lado do garoto e procura saber o que ele entendeu do que foi ensinado. "Minha maior preocupação era que ele percebesse que podia participar de tudo", afirma ela. Até a sambar ele aprendeu. Foi o que aconteceu na festa junina da escola, em que sua turma dançou a música Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, cantada pelos Demônios da Garoa. Zenaide arrumou uns sapatos que faziam barulhoquando Thiago pisava no assoalho de madeira. Ele marcava o ritmo batendo o pé direito no chão, depois o esquerdo, contando um, dois, três, um, dois, três...

Agora ela está trabalhando a autonomia do garoto. "Combino com os colegas que, quando der o sinal do fim do recreio, ninguém deve chamá-lo ou se oferecer para ajudá-lo.Mas sempre vou ver se está vindo direitinho.Às vezes, ele percebe e diz:"Professora, a senhora está aí? Estou sentindo seu cheirinho", conta Zenaide, orgulhosa.

Talheres, muito prazer
A mineira Laura de Oliveira Barros, 7 anos, também conta com a dedicação da professora Aquilina Rosendo Borges Silva. Laura tem baixa visão, distingue apenas clarões, mas, ao contrário de Thiago, não teve nenhuma estimulação até o ano passado.A mãe,Miriam, incentivada por propaganda falando de escola para todos, matriculou a filha na EM Professor Francisco Magalhães Gomes, em Belo Horizonte. Antes disso, Laura tinha contato só com a família, que a superprotegia.
"Morria de medo que ela se machucasse", confessa Miriam. A menina não tomava banho nem comia nem se vestia sozinha. Seu vocabulário era restrito."Às vezes, ela não entendia o que a gente falava", explica Aquilina. "Percebemos que coisas simples, como gato e cachorro, eram novidades. Então, antes de alfabetizá-la, tínhamos que começar a dar significado às palavras."

Uma das estratégias que usou para os colegas interagirem com Laura foi estipular que o ajudante do dia ficaria sentado ao lado da menina, que também tem seu dia de ser auxiliar. Aí é ela quem escolhe o colega que deseja para seu par. Quem fica nessa função precisa ler as perguntas do livro para ela responder na máquina Perkins, de datilografia em braile, que está aprendendo a manejar. Nas atividades de Matemática, os colegas a ajudam a fazer as contas com tampinhas de garrafa ou palitos de sorvete. "Todos gostam muito dela e dispu-tam a vez de ser seus parceiros", diz Aquilina. A princípio, Laura não gostava que tocassem nela, beliscava os colegas.Mas logo mudou e fez amigos. Adora as rodas de leitura: ouve com atenção e, quando chega sua vez de ler, os colegas ficam fascinados vendo-a correr o dedo pelos pontinhos e narrando a história. A mãe aprova as mudanças: "Agora ela se solta mais. Está mais independente, querendo comer e tomar banho sozinha".

Um novo esportista
O brasiliense Leomon Moreira da Silva, 12 anos, nasceu com retinose pigmentar, uma doença que destrói gradativamente as células sensíveis à luz localizadas no fundo do olho. Desde cedo, sua mãe, a dona-de-casa Maria José Pereira da Silva, o inscreveu num centro de atendimento a pessoas com deficiência visual. Logo que o garoto completou 6 anos, passou a frequentar escolas regulares. Agora ele cursa a 6ª série da EE EC-405 Sul, em Brasília, que tem adaptações para alunos cegos ou com baixa visão - há banheiro próprio e placas de localização em braile.Um professor itinerante,Renato Soares de Moraes, vai uma vez por semana e transcreve o material didático para alunos como Leomon.

Até o ano passado, Leomon apresentava certa resistência a trabalhar com a máquina de escrever em braile." Ele tinha um resíduo visual e por isso preferia escrever com letras grandes em folha branca", diz Maria deLourdes Deling, professora de Língua Portuguesa. "Como sua visão baixou mais um pouco, a escola conseguiu um laptop para as anotações. Ele aceitou muito bem."O computador tem Dos Vox, programa que transforma escrita em áudio. Ele ouve as instruções das tarefas num fone de ouvido ligado ao laptop, digita e grava em disquete os trabalhos para que o professor corrija.

No ano passado, Ângela Braga Machado, a professora de Educação Física, deu futsal para a turma e usou uma bola com guizos para ajudar Leomon a se orientar. Este ano, está trabalhando com vôlei e o garoto acompanha: "Quando a bola vai na direção dele, os colegas ajudam gritando seu nome para que ele fique atento" .

Atividades e estratégias
A TURMA SE APRESENTA 
Para fazer com que a turma acolha e se entrose bem com o novo colega, combine com as crianças que elas, uma por dia, o acompanharão ao pátio, ao banheiro, até a perua escolar etc. Em geral elas se entusiasmam com essas incumbências.

VENCENDO OS MEDOS É comum a criança com deficiência visual sentir desconforto e até medo de mexer com alguns materiais, como cola. Mostre que você mesmo costuma tocar no material em questão, estimulando-a a fazer o mesmo para mostrar que não há mal nenhum em manipular e se sujar.

BRINCADEIRA EM DUPLA 
Nas aulas de Educação Física, privilegie atividades feitas ao pares, como o pique-pedra, em que as duplas têm de correr para não serem pegas e virarem estátua. Assim o colega ajuda na orientação espacial do aluno cego.

CAIXA MÁGICA 
Para criar um vínculo de confiança com o aluno, o professor prepara uma caixa cheia de objetos do cotidiano, como retalhos de pano, pedaços de plástico, perfume, pó de café, palha de aço e formas geométricas. O aluno com deficiência visual será convidado a, periodicamente (pode ser todo dia), pegar uma das coisas e descrevê-la diante da classe.
Quer saber mais?
CONTATOS
EE Doutor Edmundo de Carvalho
, R. Tibério, 145, 05042-010, São Paulo, SP, tel. (11) 3864-2266

EE EC-405 Sul, SQS 405
, Área Especial, 70239-000, Brasília, DF, tel. (61) 3901-7694 

EM Professor Francisco Magalhães Gomes
, R. dos Mamoeiros, 98, 31775-450, Belo Horizonte, MG, tel. (31) 3277-5493 

O que é deficiência visual?


É o comprometimento parcial (de 40 a 60%) ou total da visão. Não são deficientes visuais pessoas com doenças como miopia, astigmatismo ou hipermetropia, que podem ser corrigidas com o uso de lentes ou em cirurgias.
Segundo critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) os diferentes graus de deficiência visual podem ser classificados em:
- Baixa visão (leve, moderada ou profunda): compensada com o uso de lentes de aumento, lupas, telescópios, com o auxílio de bengalas e de treinamentos de orientação.
- Próximo à cegueira: quando a pessoa ainda é capaz de distinguir luz e sombra, mas já emprega o sistema braile para ler e escrever, utiliza recursos de voz para acessar programas de computador, locomove-se com a bengala e precisa de treinamentos de orientação e de mobilidade.
- Cegueira: quando não existe qualquer percepção de luz. O sistema braile, a bengala e os treinamentos de orientação e de mobilidade, nesse caso, são fundamentais.
O diagnóstico de deficiência visual pode ser feito muito cedo, exceto nos casos de doenças degenerativas como a catarata e o glaucoma, que evoluem com o passar dos anos.
Como lidar com a deficiência visual na escola?
A escola pode recomendar aos pais e responsáveis que busquem fazer o exame de acuidade visual das crianças sempre que notarem comportamentos relacionados a dificuldades de leitura, dores de cabeça ou vista cansada durante as aulas.
Compartilhe a organização dos objetos da sala de aula com o aluno, a fim de facilitar o acesso e a mobilidade. Mantenha carteiras, estantes e mochilas sempre na mesma ordem, comunique alterações previamente e sinalize os objetos para que sejam facilmente reconhecidos.
O aluno cego tem direito a usar materiais adaptados, como livros didáticos transcritos para o braile ou a reglete para escrever durante as aulas. Antecipe a adaptação dos textos junto dos educadores responsáveis pela sala de recursos, que deve contar com máquinas braile, impressora e equipamentos adaptados.
A alfabetização em braile das crianças com cegueira total ou graus severos de deficiência visual é simultânea ao processo de alfabetização das demais crianças na escola, mas com o suporte essencial do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Vale lembrar que, de acordo com o Decreto 6.571, de 17 de setembro de 2008, o Estado tem o dever de oferecer apoio técnico e financeiro para que o atendimento especializado esteja presente em toda a rede pública de ensino. Mas cabem ao gestor da escola e às Secretarias de Educação a administração e o requerimento dos recursos para essa finalidade.
Oferecer ambientes adaptados, com sinalização em braile, escadas com contrastes de cor nos degraus, corredores desobstruídos e piso tátil, é mais uma medida importante para a inclusão de deficientes visuais. O entorno da escola também deve ser acessível, com a instalação de sinais sonoros nos semáforos e nas áreas de saída de veículos próximas da escola.
Todos os padrões de adaptação física da escola para receber alunos com deficiência estão no documento elaborado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas "NBR 9050 - Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos".

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