Histórico
da Educação do Surdocego no mundo e no Brasil
A história da educação do surdocego se
inicia conforme Camacho (2002) com Victoria Morriseau (1789-1832) como a
primeira pessoa surdocega de quem se tem dados de ter uma atenção educativa em
uma instituição de surdos no final dos anos de 1700 na França. Em princípios do
século, ano de 1800 registrou-se na Escócia o caso de James Mitchel (nascido em
1795), o qual teve um atendimento individualizado nos seus primeiros anos de
vida. Amaral (2002) relata que nos Estados Unidos a educação do surdocego
iniciou-se no começo do século XIX, quando Julia Brice, uma jovem que ficou
surda e cega ao mesmo tempo aos quatro anos e meio de idade, entrou no asilo
para surdos e deficientes mentais de Hartford em 1825, e aprendeu sua
comunicação com sinais .
Em 1830 Dr. Samuel Gridley Howe abriu a
escola Perkins para Cegos nos Estados Unidos, interessou-se pelos surdocegos
quando entrou em contato com Laura Bridgman, uma jovem que era surdocega desde
os dezoito meses de idade, ela foi admitida na Perkins e o próprio Dr. Howe a
ensinou. Em 1860 a
França foi o primeiro país da Europa a efetivar a educação de crianças
surdocegas quando uma menina, Germanine Cambom, que era surdocega, foi aceita
na escola de meninas surdas em Larney, perto de Poitiers.
Essas informações, arroladas a seguir,
trazem a real dimensão e a importância das atuais iniciativas
v Os avanços alcançados em saúde e
educação;
v O envolvimento da família e da
sociedade em geral colaborando com os profissionais;
v A reflexão constante sobre o quanto e o
que falta para se atingir os objetivos propostos a uma atenção integral à
pessoa surdocega.
Segundo Monteiro (1996) hoje
conseguimos obter alguns relatos dos primeiros surdocegos, numa valorização do
passado e das ações já realizadas na área da surdocegueira.
Dados registrados sobre
surdocegos:
Fora do Brasil
Dados registrados sobre
surdocegos:
Fora do Brasil
RAGNILD
KAATA – norueguês
surdocego que aprendeu a falar pela vibração dos sons da fala (sem registro de
data).
JAMES
MITCHELL – escocês nascido
em 1795. Desenvolveu com a família um sistema de sinais para se comunicar. Em
1813 foi avaliado “por eminente filósofo escocês Dr. Stervart” com enfoque mais
filosófico que educacional.
JULIA
BRICE – americana
(1807-1884) atendida em um asilo para surdos em Hartford - Estados Unidos
LAURA
BRIGDMAN – americana-
nascida em 1829. A
primeira surdocega educada na Perkins School for the Blind dos USA, por Samuel
Gridley Howe, a partir de 1837. Aprendeu as palavras através de letras em
relevo; seu professor pendurava em todos os objetos, cartões escritos com os
respectivos nomes. Só mais tarde aprendeu o alfabeto manual que foi seu meio de
comunicação. Nunca saiu da Perkins.
HELEN
HELLER – americana nascida em 1880. A primeira surdocega
que adquiriu reconhecimento internacional em razão de suas conquistas. Foi
educada por Anne Sullivan, sua famosa professora, após ter vivido com a família
no campo, em total liberdade até 7 anos de idade sem uma educação formal. A
partir de 1887, Anne sua professora em tempo integral ensinou-a comunicar-se
por meio do alfabeto manual, e mais tarde aprendeu a fala (comunicação oral)
com Sara Fuller, professora de uma escola de surdos, por meio do tato (método
conhecido como TADOMA[1]).
Mais tarde Anne Sullivan foi sua guia-intérprete.
Helen Keller formou-se pelo Colégio
Cambridge para Moças, freqüentou a Escola Perkins e formou-se em filosofia em
1904. Dominou várias línguas. Destacou-se por sua brilhante inteligência,
marcante personalidade, culta e sensível. Helen Keller fez conferências pelo
mundo todo demonstrando como havia vencido as barreiras impostas pela
surdocegueira, dando um exemplo de vida a todos. Foi poetisa, escritora
(escreveu vários livros inclusive sua biografia), mas sua maior glória foi ser
considerada cidadã do mundo devido ao alcance de sua atuação e sua
grandiosidade como pessoa que se revela em frases como essa: “Desejo aprender
quatro coisas na vida: pensar com clareza e serenidade, amar a todos
sinceramente, proceder sempre com nobreza e colocar toda confiança em Deus”.
No
Brasil
No
Brasil
MARIA FRANCISCA DA SILVA -
mineira nascida em 1943, primeira surdocega alfabetizada no Brasil, atualmente
é presidente de honra da Associação Brasileira de Surdocegos (ABRASC)-
Participou de diversas conferências
internacionais como na Arábia Saudita em Bahaim em 1983, representando os
surdocegos do Brasil e na Colombia em Paipa, em 1997, em conjunto com Claudia
Sofia, para organizar o programa de estruturação e fundação da Associação de
Surdocegos do Brasil.
CLAUDIA
SOFIA INDALÉCIO PEREIRA - mineira nascida em 1969, surdocega
desde os dezenove anos, única usuária do sistema TADOMA[1]
no Brasil, é a presidente da Associação Brasileira de Surdocegos - ABRASC e
coordenadora das oficinas do projeto de profissionalização para surdocegos no
Day Center “Yolanda de Rodriguez” do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao
Múltiplo Deficiente Sensorial em parceria com a SENSE - Internacional Latino
América, representante dos surdocegos nos Conselhos Estadual e Municipal de São
Paulo da Pessoa Portadora de Deficiência.
ALEX
GARCIA - gaúcho nascido
em 1976, surdocego parcial, o primeiro a cursar nível superior no Brasil,
especialista em
Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria -
Rio Grande do Sul , atualmente é o representante da área de Surdocegueira na
FADERS - Porto Alegre.
ROMUALDO
SOUZA - paulista nascido
em 1954, o primeiro surdocego em 1975
a ser integrado na rede pública de ensino em São Caetano do Sul e
posteriormente incluso no mercado de trabalho na empresa NAKATA .Casado e está
aposentado, vivendo com sua família.
CARLOS
JORGE W. RODRIGUES - carioca
nascido em 1960, o primeiro surdocego a se formar em mergulho adaptado no
Brasil e o segundo do mundo, hoje é instrutor de mergulho adaptado para
deficientes na Sociedade Brasileira de Mergulho Adaptado - SOBAM.
MANOEL
OSORIO PINTO - paulistano
nascido em 1930, devido vários acidentes na idade infanto juvenil ficou surdo
tendo atrofia do nervo auditivo, trabalhou em marcenaria, vendas de carros e
estudou até o primeiro grau. Em 1978 sofreu um acidente de carro, fez várias
cirurgias e transplante de córnea e com sessenta anos ficou cego total,
comunica-se com uma placa feita por ele com os pontos em braille e as letras do
alfabeto correspondente oferecendo a oportunidade às pessoas videntes para se
comunicarem com ele. Casado vivendo com sua esposa.
CARLOS
ROBERTO NUNES –
paulistano nascido em 1949, engenheiro químico, ficou surdocego aos quarenta
anos. É uma pessoa que trabalhou em uma indústria e agora auxilia na educação
de jovens surdocegos. Casado vivendo com esposa e filho.
CRISTIAN
ELVES FERNANDES - paulistano
nascido em 1976, Pedagogo formado na Universidade Sagrado Coração em Bauru,
portador da síndrome de Usher.
1.2. A História do Surdocego no Brasil
O trabalho com surdocego no Brasil
surgiu na década de 60, por empenho de Dona Nice Tonhosi Saraiva
que, após visita de Helen Keller a São Paulo, em 1953, estabeleceu o objetivo
de iniciar a educação do surdocego Saraiva (1977, p. 137) disse “Tarefa árdua,
e ao mesmo tempo empolgante, é a de enfrentar o desafio de iniciar um novo
trabalho de campo da educação especializada” Através de uma bolsa conquistada
foi para escola Perkins , na qual era a segunda professora latina americana a
participar do curso de especialização na educação de surdocegos. No seu
retorno, fez várias tentativas de implantação do atendimento ao surdocego,
conseguindo conforme seu relato em 1977 após a realização da Campanha Nacional
de Educação de Cegos, uma verba para criação do setor de Educação de
Deficientes Audiovisuais. Assim surgiu no Instituto Padre Chico a primeira classe
especial para surdocegos, a qual funcionou durante um ano e meio com duas
alunas, ambas com 10 anos. O treinamento das primeiras professoras do Brasil
começou após a palestra na Fundação para o livro do Cego, com as professoras de
cego, Thereza Adelino Barros Tavares e Dana Zoegan Badra, agregou–se logo após
uma professora da classe comum, Sra. Nelly de Paula. Quando a classe foi
extinta, por falta de recursos, as professoras Nice e Tereza, que seguiam com
esse trabalho não mediram esforços para sua continuidade e com apoio da
Fundação para o Livro do Cego criaram em 1963 o Setor de Educação de
Deficientes Audiovisuais - SEDAV, com os objetivos de: Orientação à escola ou
classe especial, Pesquisa para localização de casos, Encaminhamentos de casos
localizados, Alfabetização e Comunicação para adultos, Treinamento de
professores, Divulgação e Palestra de esclarecimentos para comunidade. As duas
meninas foram encaminhadas para instituições no interior do Estado de São
Paulo, Lar Nosso Ninho , de Araraquara e outro lar em Atibaia. Após algum
tempo de funcionamento do Setor de Educação de Deficientes Audivisuais - SEDAV,
foi transferido para área do Estado. Consolidando as iniciativas de cunho
pessoal, criou-se o setor de Educação de Assistência aos Deficientes Audiovisuais,
através da portaria nº 75, de 21 de Maio de 1964, subordinado ao Serviço de
Educação de Surdos. O trabalho começou com atendimento de: dois adultos na
capital, uma criança em
São Caetano do Sul e uma de Santo André, na modalidade
domiciliar uma moça de Belo Horizonte através de correspondência. Mas um
processo encaminhando pela Assembléia Legislativa para parecer técnico mudou a
história da Educação de surdocegos. O deputado Osvaldo Massei, de São Caetano
do Sul, havia encaminhando um projeto de lei para criação de uma escola de
excepcionais para o Município, que agregaria crianças de todas as deficiências.
As professoras Nice e Tereza deram parecer contrário a essa solicitação,
justificando que cada deficiência requer especialização adequada e materiais
que assistam as necessidades específicas. Elas decidiram apresentar o projeto
para criação da escola para deficientes audiovisuais.
Em 09 de Agosto de 1968 foi assinada a
Lei municipal, pelo prefeito Hermógenes Valter Braido, criando a primeira Escola
Residencial para Deficientes Audiovisuais (ERDAV) da América Latina. A escola
nunca funcionou como residencial, devido à problemas administrativos do
município e políticas públicas estaduais. Foi fechada várias vezes e foi
assumida definitivamente pelo governo municipal de São Caetano do Sul, em 1977,
recebendo o nome de “Escola de Educação Especial Anne Sullivan”, mantida pela
Fundação Municipal Anne Sullivan. Nessa época D. Nice contou com auxílio e
empenho de Neusa Bassetto, que
estava atuando com surdocegos desde 1970 sendo a segunda profissional do Brasil
a estudar na Escola Perkins e mais tarde na Escola de Surdos da Holanda. Ela
treinou a professora Dalvanise de Farias
Duarte, que até hoje atua nesta área, conforme Anexo A. Outra contribuição
importante foi a do psicólogo Sr. Geraldo
Sandoval, idealista e dedicado à educação de deficientes visuais,
representante do Serviço Nacional da Indústria - SENAI, em Análise Ocupacional
do Deficiente Visual presidente da Associação Brasileira de Educadores de
Deficientes Visuais - ABEDEV, quando organizaram em 1977 o I Seminário
Brasileiro de Educação do Deficiente Audio-Visual - SEDAV em São Paulo , com
participação de palestrantes da Alemanha, Estados Unidos, Holanda e Inglaterra
.
Com o passar dos anos foram surgindo
novas instituições com o mesmo objetivo educacional que a Escola Municipal Anne
Sullivan, entre elas encontram-se:
Associação para Deficientes da Áudio-Visão
– ADEFAV – São Paulo – criada em Outubro de 1983, por profissionais.
"AHIMSA" Associação
Educacional para Múltipla Deficiência – São Paulo criada em Março de 1991, por
profissionais e pais.
Centro de Treinamento e Reabilitação da
Audição CENTRAU - Setor de Atendimento ao Surdocego – Curitiba – Paraná criada
em 1991 por pais e profissionais
A partir de 1992 vários trabalhos
começaram a emergir por todo o Brasil. No Estado de São Paulo, em São José dos Campos. No
estado de Santa Catarina, em
São José , Brusque e Santo Amaro. No estado do Ceará em Fortaleza. No Estado
da Bahia em Barreiras, Alagoinhas e Salvador .No Estado do Rio Grande do Norte em Natal. No Estado
de Minas Gerais em Juiz de Fora, Belo Horizonte e Prata. No Estado do Rio
Grande do Sul em Cruz Alta ,
Santa Maria e Caxias do Sul. No Estado de Rondônia em Ji-Paraná. No Estado
do Paraná em Umuarama, Maringá e Pato Branco. No Distrito Federal em Brasília,
no Estado do Rio de Janeiro em Angra dos Reis e Rio de Janeiro. No Estado de
Mato Grosso do Sul, em Dourados e Campo Grande.
Na área de saúde temos em São Paulo , o Setor de
Baixa Visão do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia, que
passou a atender em
Intervenção Precoce e Adaptações Ópticas, pessoas surdocegas
e deficientes múltiplas sensoriais[2]
Apesar da Educação do Surdocego no
Brasil existir há quarenta e três anos,[3]
somente a partir dos anos 90 conseguiu um avanço profissional significativo,
que caracterizou-se pelo intercâmbio com instituições internacionais.
Foi quando o PROGRAMA HILTON PERKINS
para a América latina apoiou os trabalhos dedicados à área da surdocegueira ,
ministrando cursos de capacitação de três anos para professores, como também a
SENSE INTERNATIONAL da Inglaterra, contando com o apoio financeiro da
Organização Nacional de Cegos da Espanha- ONCE e a União Latino Americana de
Cegos - ULAC.
Em 1997, os surdocegos adultos foram
contemplados pelo Programa de Apoio a Organizações de Pessoas Surdocegas da
América Latina - POSCAL, pela Organização Nacional Sueca - SHIA, pela Federação
Sueca de Surdocegos, e pela Federação Nacional de Surdos Colombianos -
FENASCOL, criando a Associação Brasileira de Surdocegos- ABRASC. Os pais com
apoio do PROGRAMA HILTON PERKINS, foram incentivados e receberam cursos para a
organização da Associação Brasileira de Pais e Amigos dos Surdocegos e
Múltiplos Deficientes Sensoriais - ABRAPASCEM .
Outros importantes acontecimentos
contribuíram e enriqueceram a área, conforme relatam Petersen et ali (1999). Em
Maio de 1997 – Ocorreu a Fundação do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e
Múltiplo Deficiente Sensorial, criado pelas instituições que atendem os
surdocegos, Associação de Pais e Associação de Surdocegos, que tem por missão: “A conscientização, informação , ampliação de
serviços e políticas públicas de atendimento nas áreas de saúde, educação ,
trabalho, esporte e lazer em todo território nacional”
[2] São consideradas pessoas múltiplas
deficientes sensoriais, pessoas surdas ou deficientes visuais que apresentam
outros comprometimentos ou deficiências (motora e/ ou mental) associadas
[3]
Fonte: Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente
Sensorial,apostila em mimeo, 2004.
[1] TADOMA “Este Método de comunicação consiste na percepção tátil da
língua oral emitida,mediante uso de uma ou das duas mãos da pessoa surdocega. A
recepção das mensagens orais ocorre, geralmente mediante o posicionamento suave
do dedo polegar da pessoa surdocega , sobre os lábios do interlocutor. Os
demais dedos se mantêm sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do interlocutor.
Essa posição viabiliza ao acesso á pessoa surdocega á produção da fala pelos
seus interlocutores” (Maia e Nascimento,2002).
Nenhum comentário:
Postar um comentário