Há
alguns anos estou me deparando na Surdocegueira, através de minhas orientações
a Surdocegos, educadores e famílias, que certas atribuições, estão
sendo
mal interpretadas e assim observo a relação causal do não desenvolvimento real de muitos
Surdocegos no Brasil. A má interpretação que
destaco
diz respeito à mediação e a guia-interpretação para nós Surdocegos.
Má
interpretação obviamente que possui duas faces - o interesse e o desconhecimento.
Não vou questionar neste momento o interesse, e, portanto não observarei
aspectos políticos da Surdocegueira, mas sim, me deterei nas
reflexões
e abordagens específicas da mediação e guia-interpretação como fundamentais
para nosso desenvolvimento.
A
mediação em Surdocegueira
Sem
dúvida, historicamente no Brasil, a grande barreira para nós Surdocegos tem
sido a quase inexistência de mediadores capazes de colaborar de forma funcional
com nossas primeiras interações com o meio, tendo em vista nossa condição de
Surdocegos. O contato habitual de certas
pessoas com o Surdocego pressupõe que elas sabem os efeitos que tem a
comunicação para nós. Sabendo isso esta pessoa pode e deve agir como mediador
em ocasiões específicas e gerais, sempre buscando satisfazer a necessidade de
interação que se produz naturalmente em nós Surdocegos tendo em vista nossa
condição.
Esta questão obviamente deve sempre trazer duas básicas reflexões: primeiro se
és mediador deve se manter como tal e segundo que o mediador pode ser um
familiar e profissional de outras áreas, mas devem estar
de
fato, unidos com o Surdocego neste papel de mediação compreendendo que a mediação
e a interação que desta resulta deve ser ao máximo possível, pontual e útil ao
Surdocegos. Estas duas reflexões que acabo de destacar são fundamentais no
processo de mediação. Tão importante que é nelas e em sua real compreensão que
repousa a "ineficiência" da mediação para Surdocegos
no
Brasil.
O
mediador e a mediação
O
mediador é aquela pessoa que conhece os meios de comunicação e juntamente com o
Surdocego, colabora com a interação prática deste com o meio. "O mediador
e sua forma de agir é uma resposta direta aos atos e
necessidades
da Pessoa Surdocega e ao tipo de apoio que esta precisa em cada momento"
(Mclnnes, 1999). Mclnnes, 1999, também define a mediação
"como
um processo que tem como propósito permitir que o Surdocego estabeleça e
mantenha um domínio máximo sobre o meio de acordo com o nível de sua capacidade
física e seu nível de funcionamento sendo um
processo
que tem lugar entre o surdocego e a pessoa que apoiadora, no qual a deficiência
provocada pelas perdas de visão e audição se minimiza". Assim a mediação
possui características dinâmicas que tem por objetivo romper com o isolamento
do Surdocego observando-se as questões específicas:
-
Surdocegos pré-simbólicos (congênitos) precisam receber uma mediação essencial
para que desenvolvam linguagem, comunicação e fluidez em uma
língua.
É comum no Brasil encontramos Guias-intérpretes (este tema será abordado
posteriormente) atuando como mediadores destes Surdocegos.
Pensa-se
equivocadamente que o conhecimento de modelos alternativos de comunicação do
guias-intérpretes irá favorecer, o que de fato não acontece, pois nestes casos
não se trata de capacidade comunicativa, mas sim, de
capacidade
linguística (signos, símbolos e significados).
-
Surdocegos pós-simbólicos (adquiridos) precisam receber uma mediação como apoio
para a adaptação, ou seja, adaptar-se a sua nova condição de
Surdocego
e fundamentalmente aprender um novo modelo de comunicação.
O
mediador, tendo o papel de intérprete, de guia, de educador, acaba por se tornar
companheiro, objetivando sempre que os Surdocegos cheguem a serem capazes de
fazerem escolhas e tomar suas próprias decisões de acordo com seus níveis de
independência, intervindo sempre dentro de um programa organizado para atender
pessoas Surdocegas e que se envolvem outros profissionais, assim o mediador
apóia todo tipo de Surdocego de acordo com a
mediação
necessária, caso a caso. A Guia-interpretação
Logo
depois de abordar resumidamente a mediação é necessário destacar a guia-interpretação.
Esta claro que abordar estes dois temas em separado
significa
dizer que são matérias diferentes, mas, de suma importância para os Surdocegos.
O
Guia-interprete e sua atuação
O
Guia-interprete é aquele profissional que serve de canal de comunicação (audiovisual)
entre o Surdocego e o meio no qual ela está interagindo e tem como papel
fundamental compreender a mensagem em uma língua, extraindo o sentido através
do conteúdo linguístico e contextualizar o sentido na língua de destino. Também
descrever o que ocorre em torno da
situação de comunicação e facilitar o deslocamento e a mobilidade do
Surdocego no meio.
Sua
intervenção pressupõe que o Surdocego possua capacidade para fazer julgamentos
e tomar decisões, o que significa dizer que, atua com Surdocegos que possuem uma
língua, consequentemente, possuem domínio de um modelo de comunicação
receptivo. É este profissional muitas vezes, responsável pelo ato de
Guia-interpretação que permite a nós Surdocegos, irmos onde queremos e entender
e nos fazer entender. Para isso domina diferentes modelos de comunicação, em
especial, o modelo do Surdocego que está a
Guia-interpretar
no momento específico. O Guia-interprete geralmente conhece os aspectos gerais
da Surdocegueira como matéria científica e técnicas de interpretação e de guia.
Técnicas de Interpretação Os
Guias-intérpretes embasam sua atuação em duas Técnicas de
Interpretação
- a tradução e a Interpretação. Na primeira significa dizer que a mensagem
transmitida em uma determinada modalidade de uma língua é mudada para outra
modalidade mantendo-se a mesma língua. Portanto, traduzir neste contexto, não é
trabalhar com duas línguas, mas sim com duas modalidades na mesma língua. Como
exemplo, podemos citar uma mensagem transmitida através da fala e em português.
Língua portuguesa na modalidade oral e sendo transmitida ao Surdocego através do
Braille tátil ou escrita na palma da mão. Mantém-se a mesma língua e altera-se
a modalidade, portanto tem-se a tradução em desenvolvimento.
Na
Interpretação acontece o contrário, ou seja, a mensagem transmitida em uma
determinada língua é mudada para outra língua não importando a modalidade
usada. Portanto, Interpretar neste contexto, é trabalhar com duas línguas. Como
exemplo, podemos citar uma mensagem transmitida através da fala e em Inglês.
Língua inglesa na modalidade oral e
sendo interpretada ao
Surdocego
através do Braille tátil ou escrita na palma da mão em português, ou a mensagem
em português oral interpretada em Libras,
portanto tem-se a
Interpretação
em desenvolvimento.
Ao
Guia-intérprete é aconselhável possuir fluência em pelo menos duas línguas e
conhecer o modelo de comunicação usual de determinado Surdocego que está a apoiar para que possa
desempenhar satisfatoriamente seu papel.
Técnicas
de Guia
São
várias as técnicas utilizadas pêlos Guias-interpretes para que os
Surdocegos
se locomovam com segurança nas mais diversas situações. Estas técnicas merecem
uma abordagem especial em outra ocasião, assim, neste momento, oportuno
destacar que muitas destas técnicas são as mesmas usadas para a mobilidade das
Pessoas Cegas, sendo a principal diferença que os Surdocegos possuem
dificuldades muito superiores de antecipação. A antecipação é um aspecto
relevante para a mobilidade. A
antecipação dos
Surdocegos
acontece de forma mais lenta do que nos Cegos
pelo fato essencial da comunicação ter características proximais e não
de distância, ou seja, os Cegos podem ouvir e assim podem receber a antecipação
através do modelo de comunicação fala e os Surdocegos recebem a antecipação
através de modelos de comunicação táteis ou através de mínima distância.
A
descrição visual
Estas
técnicas permitem ao Surdocego compreender melhor o ambiente em que está
inserido. Abrangem a descrição, disposição e movimentação de objetos e pessoas
presentes no meio. A descrição visual feita pelo guiaintérprete é importante
para nossa tranquilidade. Precisamos saber da movimentação ao nosso redor para
evitarmos "acidentes" e assim certo constrangimento. Ética e
Guia-interpretação
Aqui
temos uma matéria relevante que talvez esteja entre os principais obstáculos à
efetiva funcionalidade dos Guias-interpretes. Falar de ética e
Guia-interpretação
é falar sobre respeito às dimensões. Nós
Surdocegos, assim como outros seres humanos, temos nossos valores, nossa
afetividade, intelectualidade, desejos e costumes. Assim os Guias-interpretes,
através de sua ética valorativa das dimensões do Surdocego devem desenvolver
aspectos de confidencialidade e imparcialidade, fidelidade e exatidão,
seletividade e discrição.
Confidencialidade
e imparcialidade
São
aspectos bastante próximos. Ser confidente significa dizer que o Guiaintérprete
é o "Canal de comunicação". Não pergunta e não responde pelo
Surdocego.
Sendo imparcial o Guia-intérprete deve abster-se de expressar suas próprias
opiniões sobre o conteúdo da comunicação que está se desenvolvendo. É
importante lembrar que muitas vezes é difícil a um Guiaintérprete ser
totalmente imparcial. Verdade! Nossa cultura muitas vezes coloca os
Guia-intérpretes em situações conflituosas, principalmente quando envolve familiares
de Surdocegos.
Fidelidade
e exatidão
O
Guia-intérprete deve transmitir a mensagem do emissor ao receptor sem omitir ou
distorcer a mesma. É comum neste caso acontecerem problemas de omissão-distorção
quando o Guia-intérprete, muitas vezes por motivos de tempo, faz abreviações.
Estas abreviações, alguns Surdocegos, podem entender como omissão-distorção
principalmente se este não possui uma bagagem linguística abrangente capaz de
fazer relações de análise-síntese e também reflexões contextuais com rapidez.
Seletividade
O
Guia-intérprete deve aceitar o trabalho que está apto a realizar e recusá-los se
estiver acima de suas capacidades ou demandar um período de tempo de que não
dispõe e também quando a interpretação for contra suas convicções religiosas e
éticas. Observa-se que nesta questão de seletividade é fundamental o que
chamaria de pré-interpretação, ou seja, uma análise prévia de onde, como e
quando acontecerá o trabalho. Esta pré-interpretação, realizada abertamente
pelo dueto - Surdocego e Guia-intérprete - terá por finalidade estabelecer
acordo de cooperação. Não raro são as vezes que problemas acontecerem por
"descumprimento de acordo"
alegando-se, por exemplo, o período de tempo e convicções éticas.
A
discrição
E
por último a discrição que se refere à pontualidade, humildade e bom senso.
Conclusão
Ao concluir esta contribuição gostaria de destacar que na Guia-interpretação é importante
à objetividade na relação. Ser objetivo é sem dúvida a tarefa mais difícil para
Guia-intérpretes, pois, significa dizer que
as suas subjetividades devem permanecer ocultas. Outro aspecto é o
concreto. O que quero dizer com
"concreto"?
Em uma Guia-interpretação é comum descreverem a nós
Surdocegos
imagens e acontecimentos. Esta descrição permanece em nossa mente como uma
"imaginação" e assim nossa curiosidade do real aflorasse, assim,
sempre e na medida do possível os Guias-interpretes devem promover o
conhecimento do concreto a nós Surdocegos. Se por exemplo descreverem a nós um
belo jardim, procure nos guiar até este jardim para que possamos ver de perto
(para aquele Surdocego que ainda possui resíduo de visão) e tocar as flores e
plantas (para aquele Surdocego que não possui resíduo de visão) e também
sentirmos o perfume das flores. E sempre lembrando que quando um
Surdocego
requer o apoio de Guias-interpretes não é a mesma situação que um Surdo
requerer um Intérprete e por quê? Para muitos Surdocegos receber o apoio de
Guia-intérpretes significa dizer que este terá a oportunidade de se comunicar
com alguém que conheça seu modelo de comunicação. A oportunidade de ter este
apoio muitas vezes tarda meses e meses e muitos
Surdocegos
permanecem todo este tempo em seu mundo, muitas vezes sem som e luz. Todas as
reflexões que fiz neste artigo devem ser
refletidas "no seio" desta situação. Refletir esta solidão por meses
e meses de um Surdocego e assim termos bom senso e sensibilidade de observarmos
a "ansiedade" de muitos Surdocegos para com as relações
comunicativas.
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Pessoa Surdocega. Presidente da Agapasm (www.agapasm.com.br). Especialista em
Educação
Especial. Vencedor II Prêmio Sentidos. Rotariano Honorário - Rotary Club de
São
Luiz Gonzaga-RS. Líder Internacional para o Emprego de Pessoas com Deficiência.
Professional Program on International Leadership,
Employment, and Disability (I-LEAD)
Mobility
International USA - MIUSA. E-mail:
contato@agapasm.com.br Currículo:
http://lattes.cnpq.br/4055194419684987
Alex Garcia