INCLUSÃO E CULTURA SURDA: OBSERVANDO QUESTÕES
ACERCA DA SURDEZ
Liane
Carvalho Oleques
PPGAV/UDESC/2010
Resumo
Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado “Desenho infantil: entre a palavra e a
imagem” que faz uma análise da produção gráfica de uma criança surda em
paralelo a uma criança ouvinte. Assim, foi necessário conhecer e expor as
questões que envolvem a surdez em toda sua complexidade, dando base a pesquisa.
Num primeiro momento ressaltam-se alguns aspectos do processo de ensino e
aprendizagem da educação especial introduzindo as questões concernentes a
surdez e suas especificidades. Autores como Gonzalez (2007), Lucia Reily
(2007), Vigotski (1997), Oliver Sacks (1998), Ronice de Quadros (1997) e Márcia
Goldfeld dão base ao trabalho no tocante ao ensino especial bem como a cultura
surda.
Palavras-chaves: educação especial, deficiência,
surdez e cultura surda
Considerando os aspectos que envolvem a surdez no âmbito das
necessidades especiais e culturais, este trabalho apresenta algumas questões e
reflexões acerca do sujeito surdo. Num primeiro momento, será realizada uma
pequena introdução ao contexto das necessidades especiais na contemporaneidade,
permeando por alguns autores como Gonzalez (2007), Lucia Reily (2007) e
Vigotski (1997) que tratam as necessidades especiais fora do ponto de vista da
deficiência, encarando-a como uma diferença no processo de ensino e
aprendizagens.
Num segundo momento do texto a surdez ganha evidência, salientando, suas
características e a educação de surdos na atualidade, pontuando o Ensino das
Artes Visuais.
Ainda é possível perceber na sociedade contemporânea um olhar
indiferente para com as pessoas com deficiências, com necessidades especiais.
Reily (2007) discorre acerca das barreiras
atitudinais, caracterizadas pelos limites e preconceitos que a sociedade
impõe as pessoas com algum tipo de necessidade específica. Desta forma, as
consequências sociais da deficiência consolidam a condição de incapacidade.
Limites e preconceitos, impostos injustamente, sem
o mínimo conhecimento e entendimento acerca do assunto, por parte destas
pessoas. A autora argumenta sobre a necessidade de estudos referentes ao tema,
a fim de desmistificar e esclarecer a sociedade com relação à deficiência:
Justifica-se o estudo das concepções sociais da
diferença pela necessidade de melhor compreender como as representações da
deficiência se constituem e se desenvolvem, como são reveladas e disseminadas,
para que se possa encontrar modos de demonstrar mitos e estereótipos de
deficiência que se cristalizaram ao longo do tempo, na perspectiva de trabalhar
em prol da inclusão. (REILY, 2007, p. 221)
Considerando os procedimentos pedagógicos que implementam o ensino
atualmente, é importante salientar que nem todos os alunos possuem o mesmo
ritmo de aprendizagem, portanto, é necessário compreender estas diversidades de
modo a atender este público. A Educação Especial destina-se ao atendimento de
pessoas cegas, surdas, autistas, com déficit cognitiva ou deficiência múltipla,
além de pessoas com altas habilidades, em instituições especializadas,
atendendo específica e exclusivamente alunos com determinadas necessidades
especiais de aprendizagem. Para isso, faz-se necessário a adaptação de metodologias
já existentes para o processo de inclusão.
De acordo com González (2007) que, trás alguns
conceitos e dados históricos acerca da experiência em atendimentos educacionais
especiais na Espanha, alunos que necessitam de um atendimento específico não
podem ser considerados incapacitados, considerando que sua dificuldade
relaciona-se mais ao sistema social e cultural que os rodeiam do que na
existência de uma disfunção neurológica. Assim, o autor define que pessoas que
necessitam de um processo educacional específico são aquelas que:
(...) apresentam algum tipo de deficiência física,
psíquica ou sensorial, ou que estão em situação de risco social ou de
desvantagem por fatores de origem social, econômico ou cultural que os impedem
de acompanhar o ritmo normal do processo de ensino-aprendizagem. Por meio
desses atendimentos especiais pretende-se conseguir o máximo desenvolvimento
das possibilidades e capacidades desses alunos, respeitando as diferenças
individuais apresentadas ao longo desse processo. (GONZÁLEZ, 2007, p. 19)
Para tanto, é necessário que o processo de inclusão venha a quebrar as
barreiras do preconceito, especificamente, sociais e culturais que compreendem
as pessoas que necessitam de um processo de aprendizagem diferenciado ou
adaptado como pessoas incapacitadas para o convívio social, relegando-as a
marginalidade.
A colaboração de Vigotski[1][1](1997) neste
assunto tem mostrado que suas reflexões atendem a demanda teórica sobre
Educação Especial na atualidade. Este autor já apontava para uma visão social
da deficiência em detrimento a patologia, ressaltando que o meio social deveria
agir de modo que possibilitasse situações, provocadoras de reações que
compensassem a condição de deficiente. Desta maneira, Vigotski acreditava que o
olhar perante a deficiência deveria se concentrar nos processos compensatórios,
desviando a atenção da deficiência ou patologia associada à incapacidade.
Já na época em que produziu seus estudos acerca das
necessidades especiais acreditava que a escola especial deveria criar tarefas
positivas gerando formas de trabalhos específicos que atendessem as
peculiaridades de seus educandos, e não simplesmente aplicar um programa
simplificado e facilitado da escola regular.
Desta forma, tem-se como objetivo na Educação
Especial, portanto, possibilitar que este aluno, por meio de profissionais
capacitados e recursos especializados, alcance o máximo de desenvolvimento
pessoal e social, possibilitando uma melhor qualidade de vida “(...) nos
âmbitos pessoal, familiar, social e profissional”. (GONZÁLEZ, 2007, p. 21).
É importante salientar que alunos que
necessitam de um atendimento específico, seja no ensino regular ou em escolas
especializadas, não sejam privados do conhecimento e de interações sociais que
os tornam cidadãos plenos na sociedade contemporânea, assim como coloca
González:
Depois de vermos as dificuldades
surgidas na tentativa de determinar o que se deve entender por conduta normal e
diferente, posso dizer que uma pessoa sã ou normal é aquela capaz de viver
satisfatoriamente em um dado meio social, realizar-se nesse meio e conseguir
sua felicidade, ao mesmo tempo em que tenta ser útil para a sociedade. A pessoa
diferente (deficiente) é a que precisa dos repertórios sociais adequados para
realizar-se em seu ambiente social e escolar. (GONZÁLEZ,
2007, p. 22).
Neste sentido, Vigotski (1997) pontua a importância dos processos
compensatórios, salientando a necessidade da escola especial evidenciar a
compensação social, a educação social como forma de inclusão em detrimento a
deficiência. Uma escola especial, segundo este autor deveria não apenas
adaptar-se as insuficiências, mas principalmente superá-las.
Da surdez
Dentro do panorama apresentado anteriormente, ou seja, as pessoas que
necessitam de algum tipo de atendimento específico ou diferenciado para terem
acesso e o máximo de aproveitamento em seu ambiente social encontram-se as
pessoas privadas do sentido da audição. Deste modo, serão abordadas, algumas
questões características do sujeito surdo como a língua de sinais, a cultura
surda e as propostas educacionais voltada ao atendimento destas pessoas.
Autores como Oliver Sacks (1998), Ronice de Quadros (1997), Márcia Goldfeld
(2002) e Karen Strobel (2008) entre outros subsidiam questões no âmbito da
surdez e suas especificidades.
Considerando a surdez no ponto de vista de sua
condição física e patológica é possível classificar aqui os que têm sérias
dificuldades para ouvir em função de algum dano no aparelho auditivo,
interferindo pouco no desenvolvimento da linguagem quando esta é trabalhada
desde os primeiros anos de vida, porém, ainda possuem esperanças com
amplificadores de som e aparelhos implantados no ouvido interno que fornecem
impulsos elétricos permitindo a percepção do som. Neste mesmo grupo destacam-se
também os profundamente ou totalmente surdos, que nada ouvem, além, de
possuírem pouca esperança no tratamento. O quadro a seguir mostra os cinco
níveis de perda auditiva relacionando-os as consequências na linguagem e fala.
MEDIDA AUDIOMÉTRICA
|
EFEITOS DA PERDA AUDITIVA NA COMPREENSÃO DA FALA
|
Leve
(26-40 dB)
|
Pode
apresentar dificuldade em comunicação e expressão.
|
Moderado (41-55
dB)
|
Pode
apresentar vocabulário limitado e problemas na fala.
|
Grave
(56-70 dB)
|
Provavelmente
terá dificuldade na utilização da linguagem e compreensão, além de
vocabulário limitado.
|
Severo
(71-90 dB)
|
Pode ser
capaz de perceber sons altos ao redor, porém apresenta acentuada dificuldade
na linguagem e fala.
|
Profundo
(acima de 91-dB)
|
Auxilio da
visão para a comunicação. Grave dificuldade na linguagem e fala.
|
Sendo assim, considera-se com “surdez” a pessoa
incapacitada de perceber o mínimo som a ponto de não favorecer-se com qualquer
tratamento ou aparelhos auditivos. Todavia, considerando alguns aspectos como
grau e início da perda, a surdez não limita o desenvolvimento cognitivo do
indivíduo, tão pouco afetará seu desenvolvimento se diagnosticada nos primeiros
anos de vida e desde então trabalhada a linguagem de modo consistente.
Partindo de outras perspectivas que se aproximam da surdez dentro de um
grupo linguístico diferenciado, é possível considerar alguns aspectos
relevantes que permitem entender essa condição singular e essa forma própria de
assimilar e entender o mundo, como a língua de sinais e a cultura surda.
Oliver Sacks (1998), neurologista que entre
inúmeros trabalhos dedica-se, da mesma maneira, a surdez, utiliza o termo
Surdez (com letra maiúscula) compreendendo um grupo linguístico e cultural, e
surdez (com letra minúscula) compreendendo uma condição física e uma visão
médica. Desta forma destaca:
(...) comecei a vê-los [os surdos] sob uma luz
diferente, especialmente quando avistava três ou quatro deles fazendo sinais,
cheios de uma vivacidade, uma animação que eu não conseguia perceber antes. Só
então comecei a pensar neles não como surdos, mas como Surdos, como membros de
uma comunidade lingüística diferente. (SACKS, 1998, p. 16)
Partindo desta perspectiva, já é possível pensar nos processos de
inclusão dos surdos. Nesta visão a condição patológica não se sobressai,
visando à surdez dentro de um grupo que compreende o mundo de forma diferente,
porém, que precisa de auxílios e estímulos educacionais específicos para que a
linguagem seja constituída e facilite a interação do sujeito surdo dentro de
seu ambiente social. Vigotski (1997) já ressaltava a importância da educação
social para que a pessoa surda tenha condições de se “inserir na vida social
como participante plenamente válido” [3][3](p.
235).
Em seu livro “Vendo vozes: uma
viagem ao mundo dos surdos” Sacks (1998) se questiona acerca de como é o
mundo aqueles que não ouvem? Como é viver privado do sentido da audição, o que
acontece se uma pessoa não tem acesso e não constitui uma linguagem? “O que é
necessário para nos tornarmos seres humanos completos?” (p. 49), pergunta o
autor.
Desde muito pequenos, nós ouvintes, começamos a ter entendimento da
nossa volta por meio da língua oral que possui como modalidades de interação o
meio auditivo-oral. Desta forma, aprendemos a falar por imitação, repetindo o
que nos é apresentado. Assim, aprendemos que as coisas e os objetos que nos
rodeiam possuem nomes, aprendemos como usá-los, classificá-los, generalizá-los.
Nossa compreensão do mundo torna-se facilitada e possível através da linguagem,
nosso pensamento se constitui e nossas ações são planejadas, constituímos
consciência do eu.
Mas como fica a situação daqueles impossibilitados de ouvir?
Quando se faz uma pesquisa relativa à surdez é necessário, também,
considerar em que fase da vida ela se manifestou, ou seja, antes da formação da
linguagem – surdez pré-linguística – ou depois da aquisição da linguagem –
surdez pós-linguística. Considerar estas etapas se faz necessário, pois, a
linguagem possui um papel determinante, conforme Vigotski (2005), no
desenvolvimento do pensamento e, portanto, na compreensão do mundo. Deste modo,
um surdo pós-linguístico ainda possui experiências e imagens auditivas para
recorrer, facilitando suas interações com o meio ambiente, o que não acontece
com um sujeito surdo pré-linguístico.
Sacks (1998) relata as vozes e sons “fantasmagóricos” que algumas
pessoas com surdez pós-linguística pensam ouvir. O autor explica que este fato
decorre em função das experiências e associações auditivas anteriores. De modo
semelhante, é possível compreender como pessoas acidentadas ainda sentem o
membro amputado. Acrescenta ainda: “Não se trata de imaginar no sentido usual, mas de uma tradução instantânea e automática da experiência visual para uma
experiência auditiva correlata (...)” (p.20). Da mesma forma, acontece com
ouvintes e falantes quando estes imaginam alguém falando, há uma voz concebida
na mente. Porém, parece muito difícil para uma pessoa surda pré-linguística
conceber este tipo de voz ou som, uma vez que ela não tem o mínimo entendimento
de como seria um som, tão pouco, o imagina. Vivem, assim, num mundo de absoluto
silêncio, sem perspectivas sonoras.
Serão essas pessoas, os surdos pré-linguísticos, o foco desta reflexão,
considerando aqui o objetivo desta investigação, para tanto, faz-se necessário
abordar e esclarecer características deste sujeito, pois, pode haver uma
dificuldade para os ouvintes e falantes em compreender a surdez em toda sua
complexidade.
Sacks (1998) diz que as pessoas tendem a avaliar a surdez como um
incômodo ou uma desvantagem, “mas quase nunca como algo devastador, num sentido
radical.” (p.22). A vista disto, os ouvintes tendem a considerar a surdez menos
grave do que a cegueira, porém, conforme o autor, a surdez pode se tornar
extremamente grave, pois, os surdos pré-linguísticos podem sofrer danos
irreversíveis se sua linguagem não for suficientemente trabalhada, de modo a
atender suas capacidades e necessidades intelectuais, do contrário parecerão
“deficientes mentais” (p.22). Sendo assim, Sacks salienta:
E ser deficiente na linguagem, para um ser humano,
é uma das calamidades mais terríveis, porque é apenas por meio da língua que
entramos plenamente em nosso estado e cultura humanos, que nos comunicamos
livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações.
(SACKS, 1998, p. 22)
Márcia Goldfeld (2002) que pesquisou o desenvolvimento e as relações de
uma criança surda com atraso na linguagem, também destaca a importância da
linguagem que vai além da comunicação, estabelecendo funções organizadoras e
planejadoras do pensamento. A autora que segue uma concepção
sociointeracionista adotada por Vigotski, considera a linguagem como “(...) o
instrumento do pensamento mais importante que o homem possui (...)” (2002, p.
60) permitindo, na pessoa surda, que os processos cognitivos se
desenvolvam:“(...) toda a cognição passa a ser determinada pela linguagem
(...)” (2002, p.60).
Percebe-se, assim, a necessidade premente da estimulação e aquisição da
linguagem em pessoas surdas desde os primeiros anos de vida os quais estes
processos começam a se desenvolver e se internalizar. Do contrário, segundo
Goldfeld (2002), crianças surdas que sofrem atraso na aquisição da linguagem
podem padecer de danos irreversíveis no desenvolvimento de suas funções
cognitivas. A autora, também, observa a necessidade do auxílio constante da
família no processo de propagação da linguagem: “É preciso que a família da
criança surda tenha consciência da necessidade de estimular essa criança. As
informações que naturalmente à criança ouvinte recebe devem ser dadas também à
criança surda (...)” (2002, p. 160).
Contudo, de que modo a pessoa surda pode desenvolver-se
linguisticamente?
A língua de sinais é, atualmente, a forma mais acessível à aquisição da
linguagem à pessoa surda, pois, é uma língua de modalidade visual-gestual,
permitindo um desenvolvimento completo da linguagem e por consequência acesso
as funções cognitivas.
A língua de sinais, ao contrário da língua oral que esbarra em um
empecilho orgânico no sujeito surdo, não necessita ser ensinada a ela, esta
língua se constitui e se desenvolve naturalmente, considerando repertórios
adequados para esta situação. Assim, como uma criança ouvinte aprende a falar
por imitação de forma natural e espontânea, a língua de sinais é assimilada
pela criança surda em contato com outras pessoas adultas surdas ou em contato
com adultos ouvintes que dominam a língua de sinais, a fim, de estimulá-la,
dando-lhe acesso a linguagem e consequentemente a comunicação, a organização de
pensamento e a consciência.
Dessa forma, Sacks discorre acerca da língua de
sinais em detrimento a língua oral que muitos surdos são submetidos:
As pessoas profundamente surdas não mostram em absoluto nenhuma
inclinação inata para falar. Falar é uma habilidade que tem que ser ensinada a
elas, e constitui um trabalho de anos. Por outro lado, elas demonstram uma
inclinação imediata e acentuada para a língua de sinais que, sendo uma língua
visual, é para essas pessoas totalmente acessível. (SACKS, 1998, p. 43)
O autor acrescenta ainda que o desenvolvimento da gramática da língua de
sinais ocorre na mesma idade e forma que o desenvolvimento da língua oral na
criança ouvinte, todavia, os sinais se sucedem mais cedo por ser considerado
mais fácil, pois, consistem em movimentos muito simples dos músculos, enquanto,
a fala consiste em movimentos mais complexos tornando-se possível somente no
segundo ano de vida da criança. Dessa maneira, conforme Sacks, uma criança
surda pode fazer o sinal de “leite” já aos quatro meses de idade, enquanto uma
criança ouvinte da mesma idade põe-se a chorar. Assim, não há indícios que o
uso da língua de sinais iniba a aquisição e aprendizagem da língua oral,
ocorrendo, geralmente, o contrário.
Muitas são as concepções errônias e inadequadas
atribuídas à língua de sinais. Uma delas, talvez a mais popular, seja de que
esta língua é um conjunto de gesto que interpreta a língua oral. Apresentam,
também, da mesma forma que a língua oral todas as estruturas linguísticas
necessárias para expressarem idéias concretas, abstratas ou complexas. Dessa
forma, Ronice de Quadros (1997) pesquisadora na área na surdez com ênfase na
língua de sinais explica que:
(...) os sinais eram considerados apenas representações miméticas,
totalmente icônicas, sem nenhuma estrutura interna formativa. Entretanto, as
pesquisas que vem sendo realizadas nesse campo evidenciam que tais línguas são
sistemas abstratos de regras gramaticais (...). Assim como com qualquer outra
língua, é possível produzir expressões metafóricas (poesias, expressões
idiomáticas) utilizando uma língua de sinais. (QUADROS, 1997, p. 47)
Quadros (1997) explica que esta língua é estabelecida pela visão e da
utilização do espaço, assim: “A diferença na modalidade determina o uso de
mecanismos sintéticos especialmente diferentes dos utilizados nas línguas
orais” (p. 46). Por este motivo as línguas de sinais são sistemas linguísticos
independentes das línguas faladas.
Conclui-se, portanto, este breve esclarecimento
acerca da língua de sinais evidenciando uma citação de Quadros que sintetiza
muito bem o que foi visto até agora. A autora caracteriza a língua de sinais
como línguas naturais, provenientes da necessidade de comunicação:
Tais línguas são naturais internamente e externamente, pois refletem a
capacidade psicológica humana para a linguagem e porque surgiram da mesma forma
que as línguas orais – da necessidade específica e natural dos seres humanos de
usarem um sistema lingüístico para expressarem idéias, sentimentos e ações. As
línguas de sinais são sistemas linguísticos que passaram de geração em geração
de pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas
fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre as pessoas que não
utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade
lingüística. (QUADROS, 1997, p. 47)
Propostas educacionais para surdos no Brasil
Este tópico tem como objetivo relatar as principais propostas
educacionais para surdos vigentes no Brasil. Serão, portanto, descritas as
principais características de cada proposta, sendo que a pesquisa não visa
fazer uma análise crítica acerca da educação de surdos, todavia, é de interesse
constar quais práticas metodológicas estão sendo desenvolvidas no Brasil. Tendo
em vista, que as pesquisas acerca da surdez têm como alicerces, especialmente,
estudos na área da linguística e psicologia considera-se a visão de duas
autoras com ênfase nos estudos sobre surdez: Ronice Müller de Quadros (1997) e
Marcia Goldfeld (2002).
É possível destacar na atualidade duas principais propostas para a
educação de crianças surdas no Brasil: o Bilinguismo e o Oralismo. No Brasil
estas duas propostas continuam vigentes, pois, considera-se que não exista uma
metodologia mais adequada, dando a possibilidade de escolha à pessoa surda.
Durante muitos anos o Oralismo foi difundido como a
proposta mais adequada a formação e educação do indivíduo surdo. Esta
metodologia avaliava a surdez como uma patologia ou deficiência que deveria ser
amenizada visando a oralização. Ou seja, seu objetivo era reabilitar o
indivíduo surdo de forma que sua interação com o mundo ouvinte fosse possível
apenas pelo desenvolvimento da língua oral, encaminhando sua personalidade e
identidade para tal. Goldfeld (2002) discorre acerca do Oralismo enfatizando
que seu objetivo é direcionar a criança surda “à normalidade” ou “à
não-surdez”. A autora explica com clareza como se constitui o processo desta
proposta e seu tempo de duração:
A criança surda deve, então, submeter-se a um
processo de reabilitação que inicia com a estimulação auditiva precoce, ou
seja, que consiste em aproveitar os resíduos auditivos que quase a totalidade
dos surdos possuem, e possibilitá-las a discriminar os sons que ouvem. Pela
audição e, em algumas metodologias, também com bases nas vibrações corporais e
da leitura oro-facial, acriança deve chegar à compreensão da fala dos outros e
por último começar a oralizar. Este processo, se for iniciado ainda nos
primeiros meses de vida, dura em torno de 8 a 12 anos, dependendo das
características individuais da criança, tais como: tipo de perda auditiva,
época em que ocorreu a perda auditiva, participação da família no processo de
reabilitação etc. (GOLDFELD, 2002, p. 35)
Dentro desta proposta existem outras metodologias que se baseiam na
proposta oralista se concentrando no objetivo do desenvolvimento da língua
oral.
Tendo em vista seu objetivo, o Oralismo desconsidera questões
relacionadas à cultura surda. Quadros (1997, p. 26) considera esta proposta,
segundo a visão de vários estudiosos acerca da surdez (Sánchez, Ferreira Brito
e Skliar), “como uma imposição social de uma maioria lingüística (os falantes
das línguas orais) sobre uma minoria lingüística sem expressão diante da
comunidade ouvinte (os surdos).”
Ao contrário do Oralismo, o Bilinguismo respeita as particularidades do
indivíduo surdo e sua cultura, trata a surdez não como uma patologia que
necessita ser curada, porém como um modo diversificado e singular de pensar e
se comunicar que deve ser respeitado.
Quanto o que é possível afirmar sobre o Bilinguismo, considera-se como a
proposta mais viável, até então, ao ensino da criança surda. Propõem o
aprendizado da língua de sinais como língua natural e este, pressuposto para o
aprendizado da língua escrita. Segundo Quadros (1997) a proposta Bilíngue busca
captar o direito da criança surda em ser ensinada na língua de sinais, tendo em
vista, que esta língua é natural da pessoa surda e adquirida de forma
espontânea, ao contrário da língua oral que é adquirida de forma sistematizada.
Esta mesma autora acrescenta que uma proposta basicamente Bilíngue não é
totalmente favorável considerando as duas culturas as quais a pessoa surda deve
conviver: a cultura ouvinte e a cultura surda. “Uma proposta educacional, além
de ser Bilíngue, deve ser bicultural para permitir o acesso rápido e natural da
criança surda à comunidade ouvinte e para fazer com que ela se reconheça como
parte de uma comunidade surda.” (1997, p. 28). Somente respeitando estas
particularidades, a criança surda reconhecida dentro de sua própria cultura,
poderá integrar-se satisfatoriamente a comunidade ouvinte.
Outro fator relevante para se criar condições favoráveis no ensino do
Bilinguismo é o comprometimento integral da família, tendo em vista, que a
maior parte das crianças surdas em processo escolar originam-se de famílias
ouvintes. O ideal é que a família também tenha o entendimento e conhecimento da
língua de sinais auxiliando e integrando a criança neste contexto.
A entrevista realizada na coleta de dados da pesquisa de mestrado
(OLEQUES, Liane C. (2008) Análise do repertório
gráfico de uma criança não ouvinte: a surdez e suas implicações no desenho
infantil. Projeto de Mestrado), com a professora do menino surdo sujeito desta
pesquisa, mostrou que mesmo o aprendizado da língua de sinais numa proposta
Bilingue pode tornar-se lenta quando não há o apoio da família.
A professora que é responsável pela classe especial
de 1ª a 4ª de alunos surdos, explica que o menino não ingressou na escola com
um repertório de sinais consistente. Sua comunicação era restrita ao contexto
familiar com muitos gestos e pantomimas. Isso dificultou seu aprendizado, tendo
em vista que o que era aprendido na escola não era vivenciado em casa, já que a
família ouvinte não prezava pela mesma forma de comunicação. A professora
entrevistada lembra-se que o menino levou cerca de um ano até aprender e
internalizar o sinal em LIBRAS de “água”,pois até então “água” era representado
pelo gesto de levar um copo a boca. Ainda comenta que, por esse motivo, o
aprendizado da LIBRAS torna-se repetitivo e lento, pois, todos os dias deve-se
reforçar os mesmo sinais até o que o aluno internalize a palavra e o conceito.
Considerações finais
Realizar observações acerca das pessoas com necessidades especiais
torna-se um tanto complicado quanto a terminologia utilizada. É preciso um
pouco de atenção para que nossas palavras, mesmo sem intenção, não tendam a
estabelecer ou separar o que é normal ou deficiente na sociedade contemporânea,
pois, como foi visto, esta condição deve ser encarada como uma forma
diferenciada, uma necessidade específica ou especial de ensino e aprendizagem,
criando possibilidades para sua reabilitação na sociedade.
É interessante ressaltar aqui as palavras de Simi
Linton[4][4],
deficiente física e participante do movimento de direito dos deficientes,
introduzindo, desta forma, o leitor ao contexto social das necessidades
especiais:
Saímos, não escondendo nossas pernas atrofiadas sob
mantas de lã marrom, ou com óculos escuras tampando nossos olhos pálidos, mas
aparecemos de Shorts e sandálias, de macacão e terno, vestidos para brincar ou
trabalhar, encarando de frente, desmascarados, sem pedir desculpas. (...) E não
somos somente os atletas cadeirantes “sarados” vistos recentemente nos
comerciais de tevê, mas também criaturas desengonçadas, atarracadas,
desajeitadas, e encaroçadas declarando que vergonha não mais definirá nosso
guarda-roupa nem nosso discurso. Hoje estamos por toda parte, de cadeiras de
rodas ou em marcha desenfreada pela rua, ao som do toque de nossas bengalas,
sugando ar por tubos de respiração, seguindo nossos cães guias, soprando e
aspirando nos nossos acionadores de sopro que controlam nossas cadeiras
motorizadas. Às vezes pode acontecer de haver baba, escuta de vozes alheias,
nossa fala pode soar entrecortada, podemos utilizar cateter para coleta de
urina, podemos viver com um sistema imune comprometido. Estamos todos ligados
uns aos outros, não pela lista de nossos sintomas coletivos, mas pelas
circunstâncias sociais e políticas que nos forjaram como grupo, nos encontramos
como grupo e buscamos uma voz para expressar não o desespero pela nossa
condição, mas a revolta pela nossa condição social. Nossos sintomas, mesmo que
sejam às vezes dolorosos, assustadores, desagradáveis, ou difíceis de lidar,
ainda fazem parte do cotidiano da vida. Existem e sempre existiram em todas as
comunidades de todos os tempos. O que denunciamos são as estratégias utilizadas
para nos privar de nossos direitos, de oportunidades e da busca da felicidade.
(LINTON, 1998, p. 03 -04)
Portanto compreende-se que possibilitando habilidades específicas
através de repertórios adequados, pessoas com necessidades especiais possam
usufruir de condições dignas de inclusão a sociedade, sem esquecer do meio
social que, por sua vez, deve ser trabalhado para que possa receber estas
pessoas com o respeito e dignidade com que tem direito todo cidadão.
Com relação às pessoas surdas foi possível concluir que não há limites
cognitivos intrínsecos a surdez quando se oferecem todas as possibilidades de
acesso para a consolidação da linguagem. Portanto, a surdez deve ser
diagnosticada o mais cedo possível e a língua de sinais, vivenciada pela criança
desde os primeiros anos de vida para que possibilite, plenamente, a comunicação
e o intercurso do pensamento. A linguagem deve desenvolver-se, considerando a
criança ativamente envolvida no processo de comunicação de seu ambiente sócio
cultural.
Referências Bibliográficas:
· DANESI, Marlene Canarim. Estudo exploratório do desenho de crianças
surdas, relacionando a representação gráfica da imagem corporal com o uso da
língua de sinais. Porto Alegre e
Bueno Aires.Tese de mestrado, 2003.
· GODOY, Maria
de Fátima Reipert de. Educação artística
para deficientes auditivos: uma leitura a partir da visão de professores.
Tese de doutorado. São Paulo: IP/USP, 1998.
· GOLDFELD, Márcia. A criança
surda: linguagem e cognição numa perspectiva sóciointeracionista. 2º
edição. São Paulo: Plexus Editora, 2002.
· GONZÁLEZ, Eugênio. Necessidades
educacionais específicas. Porto Alegre: Artmed, 2007.
· OLEQUES, Liane C. (2008) Análise do repertório gráfico de uma criança
não ouvinte: a surdez e suas implicações no desenho infantil. Projeto de Mestrado.
PPGAV/CEART/UDESC, 2008.
· REILY, Helena Lúcia. Retratos urbanos de
deficiência. In: Inclusão, Práticas
pedagógicas e trajetórias da pesquisa. Org. Denise M. de Jesus, Claudio
Roberto Baptista, Maria Aparecida Santos C. Barreto e Sonia Lopes Victor. Porto
Alegre: Ed. Mediação, 2007. P. 220 – 232.
· SACKS, Oliver. Vendo vozes. Uma
viagem ao mundo dos surdos. Ed. Companhia das letras, São Paulo, 1998.
Tradução: Laura Teixeira Motta.
· SHMITT, Deonísio. Curso de
pedagogia para surdos. Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis, UDESC:
CEAD, 2002.
· SILVA, Daniele Nunes Henrique. Como
brincam as crianças surdas. São Paulo: Plexus Editora, 2002.
· STROBEL, Karin. As imagens do
outro sobre a Cultura Surda. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2008.
· VIGOTSKI, L. S. A formação social
da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
· _____________. Obras escogidas V:
fundamentos de defectologia. Madri: 1997.
· ______________.Pensamento e
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
[1][1]Quanto à escrita do nome do autor será
usada “VIGOTSKI” por considerar-se a forma mais simples e utilizada na maior
parte da bibliografia do autor aqui citada.
[2][2]Tabela elaborada segundo o quadro fornecido
em: GODOY, Maria de Fátima Reipert de. Educação
artística para deficientes auditivos: uma leitura a partir da visão de
professores. Tese de doutorado. São Paulo: IP/USP, 1998. P. 10.
[3][3]Tradução da autora.
[4][4]LINTON, 1998 apud REILY, 2007, p. 220.